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Como Girls influenciou minha vida sexual


Reprodução / HBO

Um dos meus maiores interesses nos meus estudos em sexualidade é demonstrar como a sociedade influencia em nossas escolhas sexuais. E a cultura tem um papel fundamental nesse processo.


Não há consenso em uma única definição de cultura, até porque cada sociedade a compreende de uma maneira. Entretanto, podemos, para ter alguma linha de raciocínio nesse texto, entendê-la como um conjunto de conhecimentos, crenças, tradições e comportamentos de determinado grupo social. Essa é uma definição antropológica abrangente que costuma ser bem aceita, então vamos trabalhar a partir dela, ok?


Beleza, então, considerando que cultura é isso, bem simplificadamente, como ela influencia as vidas sexuais de cada indivíduo desses grupos sociais?


Agora eu preciso falar sobre Girls.


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Girls é uma série da HBO que foi ao ar entre 2012 e 2017, em seis temporadas. Criada, escrita e protagonizada por Lena Dunham. Foram 60 episódios de pura educação feminista-sexual, para mim, com 19 anos na época em que estreou. Questionar papéis sociais nunca foi o forte no contexto em que eu cresci, o que fazia com que eu me sentisse uma delirante às vezes. Com Girls, eu me senti de uma maneira que não sabia explicar. Hoje, sei que há nome pra isso: representatividade.


Sim, eram quatro meninas brancas nos seus vinte e poucos em Nova York. O famoso classe média sofre, problemas-de-garotas-brancas, etc. E sim, era minha realidade, mesmo que eu não morasse no Brooklyn. E representatividade é muito importante quando falamos em cultura.


Um dos primeiros artigos que li sobre a produção foi que seria um “novo Sex And The City” para a “geração millennial”. Hoje eu vejo mais diferenças do que semelhanças entre as duas produções, então não sei se foi bem isso. Acredito que SATC foi importante para a época e para o público para quem foi produzida. Assim como Girls foi para mim e para outras mulheres da minha idade.


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Não tem como falar em produção cultural sem lembrar que é preciso fazer um recorte. O público de Girls foi muito maior nos Estados Unidos até porque são poucas as pessoas que têm HBO no Brasil.


Eu gostava dos diálogos, gostava de como as protagonistas não eram “apagadas” pelos homens da série, como acontecia em outros programas que eu via na adolescência. Gostava de ver uma menina fora do padrão Barbie como personagem principal - de novo, representatividade. E, vejam só, sem vergonha do próprio corpo, sem problemas para transar ou ficar pelada porque tinha barriga e estrias, sem dificuldade para pegar os caras que ela quisesse e com muitas, muitas tatuagens.


Era um alívio ver nas telas alguém um pouco mais parecida comigo. Claro que, se a Hannah, personagem de Dunham, não tinha problemas para pegar quem quisesse, isso não a livrava de ter vários problemas de relacionamento e uma personalidade que, temporada após temporada, ficou bem enfatizada pelo egoísmo.


Na primeira temporada, eu estava discutindo um episódio com uma amiga da faculdade, que na época trabalhava para uma grande revista, e ela me disse que a Marnie, vivida pela atriz Allison Williams e mais próxima de um padrão de beleza encontrado em outros programas, era justamente a mais problemática das protagonistas. Eu não sei se o ponto era debater quem tinha mais questões, mas sim enxergar como aquelas personagens tinham dimensões importantes, longe de um dualismo previsível de bom/ruim, e que mudavam ao longo das temporadas sem se tornarem contraditórias ou desconexas.


Falando apenas por mim, Girls abriu meus olhos para começar a questionar o que era considerado, de fato, liberdade sexual. Ver relações sexuais cruas, com corpos reais, bem mais próximas da realidade, na televisão, me ajudou a diminuir minhas expectativas românticas que haviam sido alimentadas por comédias românticas e livros da Meg Cabot durante anos e anos.

Com Girls eu aprendi sobre relacionamento abusivo. Sobre padrões de beleza e de comportamento “esperados” de uma mulher. Sobre como a sociedade enxerga tanto a virgindade feminina quanto a menina que transa com vários caras. Aprendi sobre assédio. Vi que é normal ficar confusa às vezes. E também percebi algumas coisas com as quais não concordei, mas que me fizeram refletir - o próprio final me decepcionou um bocado. Reconheço ainda que uma das maiores falhas da produção é a falta de diversidade étnica no elenco, que é anacrônica justamente por não condizer com a realidade de Nova York. Considerando tudo isso, tenho certeza que muitos dos meus conceitos sobre sexualidade foram formados e sedimentados enquanto eu acompanhava a série.


Meu ponto aqui é: Girls foi importante para mim. Com certeza alguma série ou livro ou filme ou programa de TV também foi para você e para a construção da sua sexualidade. Eu sempre acreditei que nós buscamos na arte o que falta na nossa vida. E, se Sex And The City foi essencial para que Girls pudesse existir depois, o mesmo podemos dizer de Girls para séries como Love ou Chewing Gum. Please Like Me, considerada a Girls da Austrália, também traz personagens jovens, confusos, um tanto narcisistas e que muitas vezes pisam na bola - e isso cria identificação. Já Insecure, produção pós-Girls também da HBO, segue no mesmo caminho e sua criadora também escreve, dirige e atua.


Talvez seja “tendência”, mas não gosto de ver assim. Gosto de pensar que séries mais reais, que buscam uma conexão verdadeira com o público que visam atingir e que não têm problema em retratar as imperfeições das vidas normais, são nada menos que necessárias. Obrigada, Lena Dunham. Adorei acompanhar “Girls” pelos seus seis anos. No primeiro episódio sua Hannah disse que queria ser pelo menos “uma voz de alguma geração”. Acho que o objetivo foi alcançado.


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Por aqui, vou falar mais sobre produções culturais em recortes específicos relacionados à sexualidade. Esse texto foi uma introdução mais geral ao tema para que os próximos possam ser mais específicos. Também foi uma homenagem pessoal e uma necessidade particular que eu tinha em falar sobre Girls. Espero que me contem quais são os livros, filmes e seriados que gostam e que influenciaram ou influenciam a vida sexual de vocês.

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