top of page

Entrevista com Ana Canosa: a importância da educação em sexualidade


O TRANSEMOS quer buscar sempre trazer informações e percepções de profissionais da área da sexualidade para colaborar com nossos conteúdos e endossar a importância em debatermos e refletirmos sobre o tema. Por isso as entrevistas são um dos grandes focos do site. E, com essa missão em mente, fui entrevistar ninguém mais ninguém menos que a super Ana Canosa para falar sobre o assunto número 1 quando falamos em sexualidade: a importância da educação - em casa e nas instituições.


Ana Canosa / Imagem: reprodução

Ana Canosa é psicóloga, educadora sexual, terapeuta sexual, diretora da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana (SBRASH) e coordenadora dos cursos de pós-graduação em Terapia Sexual e Educação em Sexualidade no Centro Universitário Salesiano (UNISAL).


Com um currículo desses, eu precisava entrevistá-la para o TRANSEMOS e saber de suas opiniões em relação à situação atual da Educação em Sexualidade no Brasil. Agradeço muito por ela ter topado. Espero que esse papo nos incentive a construir e a esperar por dias melhores nesse país em termos de educação e acesso à informação de qualidade.


TRANSEMOS: Ana, por que é importante falarmos hoje sobre Educação em Sexualidade?


Ana: Primeiro porque a sexualidade envolve várias dimensões da nossa vida. A dimensão do corpo biológico traz a integração da saúde fisiológica com a resposta sexual (como a pessoa responde sexualmente ao prazer e excitação), a autoimagem corporal, a qualidade de vida. Ela está totalmente conectada à dimensão psicológica, ou seja, como a pessoa se sente, sua identidade de gênero, como expressa os afetos, como entende as relações. Existe ainda a dimensão da cultura, como ela influencia no pensamento, do que é feminino, do que é masculino, do que é aceito, permitido, tolerado, proibido e isso certamente influencia no modo que a pessoas experimentam a si mesmas, identidades, afetos e desejos.


Então só aí temos três dimensões: a biológica, a psicológica e a sociocultural.

Também podemos levantar a questão ético-religiosa, que orienta valores e comportamento e agrega a sexualidade significados distintos. São muitas variáveis, a genital é só uma delas, só uma parte de todo este universo. Nos últimos anos, especialmente na última década, os estudos da sexualidade têm avançado muito em várias áreas, por ter caráter multidisciplinar. Então oferecer educação em sexualidade é oferecer a possibilidade para o indivíduo, seja um aluno na escola, seja um adolescente, seja um profissional que está procurando ferramentas para trabalhar o tema, de poder conhecer e ampliar sua visão, ajudar a organizar e interpretar emoções e vivências.


TRANSEMOS: O tema em si, portanto, já é relevante para toda a sociedade, porque todos possuímos sexualidade?


Nós não somos ninguém sem nossa sexualidade, ela é constitutiva da pessoa humana; além disso é na relação e experiência com o outro que crescemos. Tratar o tema da sexualidade é condição fundamental para tratar do amor, do prazer, do desejo, do respeito, das dúvidas, identidades, dificuldades.


A sociedade brasileira vem, da metade do século XX em diante, começando a quebrar vários tabus. Éramos muito mais reprimidos.

Hoje já falamos mais abertamente sobre a sexualidade da criança, sobre as diferentes manifestações do desejo, sobre as identidades trans, sobre a condição da mulher e o abuso e a violência sexual, a sexualidade na terceira idade, todos temas quase proibidos. Esses avanços se deram principalmente pelo movimento feminista, movimento LGBT, o desenvolvimento da medicina sexual, entre outros. No entanto são tempos recentes se compararmos ao longo período anterior de repressão sexual.

TRANSEMOS: Como a educação pode ajudar as famílias?


A educação em sexualidade vem para poder ajudar as pessoas nessas demandas, que fazem parte da sua realidade. Para poder ajudar as famílias que não tem tempo ou não sabem informar sobre o assunto, muitas vezes não só por desconhecimento, mas também por falta de aprendizado, de tato, de naturalidade. Sem contar que muitos adultos não desfrutam da sexualidade como um aspecto da vida que gera prazer e conexão com o outro, mas sentem-se frustrados, sofrem com uma vida sexual de baixa qualidade, vivem relações infelizes.


Sair desse “lugar” de sofrimento, angústia ou ansiedade, para orientar um adolescente que está cheio de energia e tesão, pode ser bem difícil. Nesse sentido, fazer educação em sexualidade é permitir uma discussão crítica, ampliar visões, fornecer conhecimento, preparar para a mudança do corpo, para a iniciação sexual, prevenir ISTs, exploração, abuso e violência sexual.


TRANSEMOS: Como a educação em sexualidade acontece em casa e como ela pode interagir com o que é conversado na escola?


Ana: É muito importante a gente entender que a educação sexual na família se dá por aquilo que se diz e também pelo que não se diz, pois, se eu proíbo o assunto ou fujo dele, demonstro que sexo é um tema tabu, que se deve silenciar. Além disso, a família também educa pela relação. Como as figuras maternas e paternas se relacionam? Como entendem papéis de gênero (o que é “coisa de homem”, ou “coisa de mulher”), o que comentam dos outros, como tratam-se uns aos outros. Tem carinho, tem afeto ou maldizem o casamento? É uma família que tem erotismo, que se beija ou não se beija? Como é que é ter sido mãe solteira e como é isso na repercussão social? Como tratam a homoafetividade?


Então, veja, a educação intrafamiliar não é só explícita, mas bastante subjetiva, implícita. Por isso que os programas de educação em sexualidade tem que ser encarados muito mais como aliados na construção do conhecimento, do que como ameaças à família. Nossa experiência tem demonstrado que a maioria das famílias agradece por tratarmos do tema com seus filhos. Funciona ainda mais quando elas podem participar em projetos paralelos.


TRANSEMOS: E por que a escola é um ambiente favorável para essa discussão?


Ana: Como a escola é o ambiente que ajuda os pais na formação de crianças e jovens, ensina matemática, ensina biologia, ensina física, e é um espaço de convivência social - e a sexualidade se dá num espaço de convivência social, nossos primeiros amores, nossas primeiras paixões, a relação com o feminino e o masculino e a relação com outras pessoas. É um ambiente muito propício para tratar do tema.


É na escola que acontece o bullying, é na escola que você encontra o início da competição entre mulheres, onde são formados estereótipos como o dos “grandes machos”, as garotas populares, as “fáceis”, as pessoas entendidas como bonitas, nerds, feias, etc, um contexto em constante ebulição, então é um super ambiente para ajudar na formação integral das pessoas. Precisamos ampliar e não limitar a educação em sexualidade à sua dimensão de corpo reprodutivo e ISTs.


TRANSEMOS: E como você acha que as escolas podem investir mais na Educação em Sexualidade? Poderia incluir como matéria na grade, tendo auxílio de profissionais especializados sobre o tema ou deveria trabalhar com projetos e campanhas?


Ana: Eu acho que ter um profissional especializado é fundamental. Assim como tem o profissional da matemática, da biologia… Porque o educador em sexualidade tem ferramentas e estratégias para trabalhar o tema, principalmente no que tange às questões subjetivas. É fácil falar de corpo: funciona assim, funciona assado. Mais sensível é tratar do tema da violência, do aborto, refletir sobre relacionamento aberto, sobre ficantes, sobre gênero.


TRANSEMOS: E isso bate nas dimensões psicológica, sociocultural e ético-religiosa que você falou no começo...


Ana: Isso. Então como é que eu posso fazer essa conversação estimulando o pensamento crítico? E ao mesmo tempo o respeito ao outro? A maior parte das escolas, em seus projetos pedagógicos se propõe a fazer isso no ambiente escolar. Então por que não pegar esse gancho para também tratar dos temas da sexualidade? Existem profissionais formados para isso. A maneira de desenvolver o projeto deve ser aquela que mais se adequar à realidade de cada escola: de maneira transversal, onde todos os professores de todas as disciplinas vão abordar esse tema usando suas ferramentas, o que demanda muita convergência entre todos.


Pode-se estabelecer uma disciplina Educação em Sexualidade, obrigatória, inserida na carga horária. Temos uma ex-aluna da pós-graduação que foi contratada por uma escola particular como educadora em sexualidade. O que é muito novo e muito legal. Então ela tem carga horária para trabalhar com todos os anos do ensino médio. A escola também pode oferecer um encontro não-obrigatório, extracurricular, ou fazer Oficinas durante o ano, com temáticas diferentes. O profissional pode formar os professores para que eles desenvolvam o projeto.

Existem várias maneiras da escola absorver esse profissional.


Também é importante saber que há vários marcos legais dos quais o Brasil é signatário que protegem o profissional e a escola que trabalham o tema da sexualidade no ambiente escolar. Não é porque o PNE (Plano Nacional de Educação) não traz explicitamente no texto, que a educação tem que fechar os olhos para todas as metas que o Brasil tem assumido com outros países, sendo várias delas relacionadas diretamente com a sexualidade, como questões de gênero, desigualdades, empoderamento feminino, combate à homofobia e tantas outras. É muito mais uma questão da escola querer fazer o trabalho.

-

E aí, o que achou da conversa? Deixe suas impressões nos comentários, assim como sugestões de temas para outras entrevistas que quer ver por aqui!

32 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page