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Sexo e Depressão: dois tabus e uma urgência

Atualizado: 15 de set. de 2018



Cerca de 1 milhão de pessoas comete suicídio todos os anos. Também anualmente, a depressão gera gastos equivalentes ao PIB da Turquia - cerca de 800 bilhões de dólares. Mais de 400 milhões de pessoas no planeta têm a doença. E o Brasil é campeão nesses números na América Latina - estima-se que 5,8% da população lida com a depressão atualmente. Mesmo assim, ainda é difícil achar alguém que admita isso, que tenha um diagnóstico bem realizado e, mais, que tenha acesso e siga à risca o tratamento mais adequado.


Os números da depressão assustam e surpreendem inclusive seus pesquisadores, que calculavam que até 2030 a doença seria o motivo do desperdício de 9,8% do total de anos saudáveis das pessoas - e essa previsão foi atingida duas décadas antes, em 2010. A Organização Mundial da Saúde agora prevê que a enfermidade será a mais incapacitante do mundo até 2020.


A saúde mental, assim como a sexual, ainda lida com diversos tabus todos os dias. Muitas informações equivocadas são propagadas e muito conteúdo útil não é suficientemente discutido e propagado. São dois temas que sofrem preconceito e que possuem uma urgência em comum: que se fale sobre eles para que sejam desmistificados.

Na tentativa de começar a mudar esse cenário, entrevistei a Ísis Marafanti, psiquiatra da Santa Casa de São Paulo e psiquiatra forense, para saber mais sobre a depressão, os estigmas que ela carrega e como isso pode afetar a vida sexual dos que sofrem com a doença e de quem convive e se relaciona com quem tem depressão.


TRANSEMOS: Qual a relação entre a sexualidade, o desejo sexual e a depressão?


ÍSIS: Nos pacientes com depressão um dos principais e mais comuns sintomas é a perda do prazer nas atividades. Existe um nome próprio para isso, que é anedonia. Isso é global, pode ser desde sair de casa, ver um filme, ler um livro... A pessoa naturalmente perde o interesse, não tem mais vontade de fazer essas coisas ou faz sem vontade mesmo, sem a sensação prazerosa que essas atividades traziam antes.


E, dentro dessa perda de prazer, muitas vezes entra também o desejo sexual. Então há uma perda de libido relacionada a essa perda global do prazer.

TRANSEMOS: Relacionado à própria doença então?


ÍSIS: Sim, relacionada à doença. Não é só um desejo sexual baixo isolado, hipoativo, vem num conjunto de baixo desejo por tudo, faz parte do conjunto de sintomas da doença.


TRANSEMOS: E quando vamos tratar a doença, alguns dos tratamentos incluem o uso de antidepressivos, que podem também afetar a libido. Como fica o tratamento nesse sentido?


ÍSIS: é muito comum isso acontecer. Existem diversos antidepressivos no mercado hoje e dentro deles há os que mais prejudicam a libido e os que menos prejudicam. Então é muito importante entender a história do paciente, quem é ele, qual é a dinâmica e a situação sexual dele, para pensar na melhor medicação. É importante ressaltar também que muitos interferem, mas isso não quer dizer que é 100%.


Existem pessoas que vão tomar antidepressivos conhecidos por atrapalhar a libido e não vão ter esses efeitos colaterais. E vão ter pessoas que tomam antidepressivos que estão menos relacionados a alteração da libido e podem ter efeitos indesejados. Então não é algo fácil de prever. Podemos medicar e a pessoa melhorar dos sintomas depressivos e ter esse prejuízo da baixa libido. Aí é preciso tentar outras medicações e outras articulações para resolver.


TRANSEMOS: É muito caso a caso então. Muitos médicos podem não levar tão em conta essa questão da libido ou mesmo nem perguntar sobre a questão do desejo sexual e de como isso interfere na vida da pessoa?


ÍSIS: Acredito que muitos médicos nem questionem sobre isso. Perguntam se o paciente está melhor, se está se sentindo mais disposto. E a resposta da pessoa, quando diz que melhorou, pode acabar também deixando essa questão do desejo para segundo plano. Quando você vai ver, a pessoa está realmente melhor, está bem, mas com o desejo lá embaixo. Por isso é algo que precisa ser ativamente perguntado.


TRANSEMOS: E, se o médico não perguntar, o paciente também pode levar essa questão se ela lhe causar incômodo. Mas os pacientes nem sempre vão falar sobre isso espontaneamente. Você acredita que ainda exista muita vergonha em falar sobre a própria vida sexual, mesmo para um médico?


ÍSIS: É muito comum ter vergonha. Outro efeito colateral bastante comum da depressão é ter retardo ejaculatório e, para a mulher, maior dificuldade de chegar ao orgasmo. Tem muitas pessoas que ainda lidam com o tabu de falar sobre isso ou até de perceber que isso seja algo vinculado ao tratamento, de perceber essa relação entre os acontecimentos e a medicação. E é aí que pode haver necessidade de troca do remédio.


TRANSEMOS: Entendi que cada quadro de depressão é único. Cada tratamento vai ser diferente e a reação de cada pessoa também vai ser diversa. O que gera uma situação muito complexa e desafiadora. Esses quadros também podem trazer dificuldade de excitação e de lubrificação?


ÍSIS: A diminuição da libido vai gerar por consequência uma diminuição da excitação sexual. Na mulher isso pode significar uma diminuição da lubrificação e no homem pode gerar dificuldade ou impossibilidade de manter uma ereção. Os antidepressivos interferem nas três primeiras fases da resposta sexual, ou seja, no desejo, na excitação sexual e no orgasmo. A depressão pode atrapalhar qualquer uma dessas fases. Pode haver diminuição do desejo sim, ou pode não haver, mas a excitação ficar comprometida, seja por contratempos na ereção, seja pela falta de lubrificação. Ou ainda o orgasmo pode ser mais complicado de atingir. Então pode ser um retardo ejaculatório, dificuldade de ejacular ou um impedimento em atingir o orgasmo para a mulher.


TRANSEMOS: A depressão é uma doença cada vez mais comum e ainda difícil de ser diagnosticada. Os casos estão aumentando e ainda há um grande estigma em entendê-la como uma doença como qualquer outra. Lidamos com dois temas que são tabu para muita gente: por um lado, a complexidade em se falar sobre saúde mental, sobre depressão, em admitir que se tem a doença e procurar tratamento. Por outro lado, existe o embaraço em falar sobre sexualidade, pois as pessoas ainda possuem diversas travas sobre o assunto. O que você diria para alguém que se relaciona com quem tem depressão e o que deve ser considerado na vida sexual dessas pessoas?


ÍSIS: É muito comum quando vemos um casal onde uma das pessoas está deprimida, perceber que a outra tem resistências e inseguranças relacionadas a isso. Muitas vezes é realmente complicado entender que a parceria não quer sair ou não tem vontade de fazer as coisas que antes davam prazer. É preciso ser compreensivo e ter a percepção de que isso também interfere no desejo sexual.


Essa situação delicada pode deixar a pessoa que não está com depressão com a autoestima baixa, se sentindo mal e menos desejada - sem perceber que isso compõe o quadro como um todo. O apoio entre as pessoas é fundamental nesse momento, que pode se estender e se tornar ainda mais difícil, e pode ser essencial procurar ajuda especializada. Entender que o sintoma faz parte do quadro ajuda a deixar claro que não é nada pessoal naquele momento.


O desejo da pessoa pela vida como um todo está mais baixo e isso também vai afetar a libido. É preciso muita paciência e determinação para passar por isso num relacionamento, por isso as pessoas precisam ser abertas, conversar e investir na intimidade para lidar com a situação.


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