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Dá para separar sexo e amor?


Por muitos e muitos anos, nas mais diversas sociedades, casamento não tinha nada a ver com amor. E sexo também não dependia de amor para acontecer. O mito do amor romântico vem, desde meados do século 18, causando consequências enormes na nossa maneira de nos relacionarmos afetivamente e de pensarmos sobre o amor. Uma das principais consequências do ideal de amor romântico para a sociedade ocidental atual é a ideia de que sexo e amor são uma coisa só. E mais: que o sexo é o ápice da consumação de uma demonstração apaixonada do amor por alguém, quase como um objetivo, um local a ser alcançado ou mesmo um prêmio.


Essa concepção foi reforçada por inúmeros poetas, escritores, dramaturgos e outros artistas que validaram o romantismo como filosofia em seus trabalhos, invariavelmente reforçando noções como a de que o sexo com amor é o que deve ser almejado, é o “correto” e é melhor que as alternativas.


Qual o grande problema dessa linha de raciocínio?


O romantismo trabalha, sobretudo, com a criação de um ideal a ser almejado e, posteriormente, atingido. E a consequência negativa de qualquer ideal é justamente oprimir aquelas pessoas que não se sentem confortáveis com ele. E, para as que se sentem, ele também pode se tornar uma obsessão e fonte de grande frustração.


O mito do amor romântico foi essencial na época em que nasceu para controlar a população, a natalidade e para preservar instituições como, por exemplo, o próprio casamento. Sem falar no papel determinante que o Estado e a religião possuíam na época, com uma capacidade enorme de interferir na vida privada das pessoas e regulamentar, se não seus desejos, suas ações para contê-los - o que pode acontecer ainda hoje, em diversos níveis e em diferente regiões.


Se um pensamento que tem quase 300 anos continua tão fortalecido nos dias atuais é porque ele faz sentido para muita gente. O problema, portanto, não é esse. O problema é que, quando algo está tão arraigado assim na nossa cabeça, nós paramos muitas vezes de questionar aquilo e ver se, realmente, faz sentido para nossa vida.


E, o que pode sim funcionar para muita gente, pode também não funcionar para outros. Está mais do que na hora de refletirmos mais sobre o que realmente nos traz felicidade e satisfação e buscarmos uma maneira mais autêntica e honesta de viver e de nos relacionarmos. Não estou defendendo abandonar uma ideia apenas porque ela se tornou antiga ou obsoleta, mas sim questionar se ela combina com você e com o modo como quer viver.


E prepare-se, porque se você chegar à conclusão de que prefere outra coisa, algo que foge à norma, vai ter que lidar com a reação da sociedade perante suas escolhas. Esse é um preço comum a se pagar quando o convencional não nos realiza.


Questionar não é se colocar sempre contra alguma coisa. É possível concordar com partes e discordar de pontos de uma mesma concepção. No caso do amor romântico, particularmente, sou contra a ideia de que ele é a meta que deve ser desejada por todos, sou contra colocá-lo como regra universal e modelo único de relacionamento. Sou contra vê-lo como objetivo de vida.

É preciso diferenciar amor romântico de romance. Atos românticos podem existir independente da busca pelo chamado amor romântico, que possui algumas características identificáveis facilmente em muitos relacionamentos, poesias e obras literárias: ele é monogâmico, culmina invariavelmente na instituição do casamento, a fidelidade é seu valor supremo, os envolvidos juram amor eterno - ou seja, até a morte e não até o divórcio - e o sexo sempre é condicionado à existência de uma intimidade e devoção enormes, sendo sua finalidade maior a procriação.


O amor romântico criou uma pressão que vai além da busca pela alma gêmea: você precisa não apenas achar alguém que você ame ou por quem sinta atração, mas também alguém que seja uma boa companhia, uma boa amizade, um potencial bom pai ou mãe e vá dividir com você as tarefas da casa, fazer a contabilidade, ser motorista, compartilhar suas crenças, religião, posições políticas… e que de preferência seja também a melhor foda da sua vida. Assim, se não for um combo 10 em 1 de vantagens, parece não valer a pena.

Spoiler: isso não existe.


Essa necessidade insana de sermos excelentes em todas as áreas vai é nos matar de cansaço e fazer com que vivamos numa frustração eterna. Quando nos posicionamos de maneira mais realista perante o amor, nos preparamos para as decepções que podem - e vão - acompanhá-lo. Ter a consciência de que sexo e amor podem, sim, andar separados, já é um passo importante para começar a refletir sobre o assunto, questioná-lo e buscar o que mais combina com você.

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